A primeira vez a gente nunca esquece. (Mas deveria!)

Passei o dia irritada sem motivo. Indisposta. Ainda por cima aula de química. Saco! Agora aula de educação física. Não entendo como a professora pode ser gorda dando aula de atividades físicas. A Sandra é. E fica sempre mascando chiclete. Vai perder todos os dentes. Como nunca ninguém me escolhe para jogar vôlei (aliás, eu evito sempre que possível participar, prefiro "sobrar") fico marcando os pontos. Sou muito magra e tenho medo de emagrecer mais ainda fazendo esforços físicos.

Sandrão, a professora cochichou no meu ouvido:
- Filha, vai lá no banheiro. Sua menstruação chegou. Tem absorvente na bolsa, aí?
- Oi? quem chegou?
- DANIIII! Vem cá! Acompanhe a aluna até o banheiro.
- O que foi que aconteceu?
- Você tem absorvente, Dani?
- Tenho um, mas é interno.
- A menstruação dela tá aparecendo no short.
Céus! quando olhei tinha uma manha escura no meu short azul:
- Onde será que eu sentei?!!!
- Como assim garota "onde você sentou"? Você menstruou, não tá vendo!
- Eu-menstru-ei?! Mas eu só tenho onze anos.
- Ihh meus parabéns, você se tornou uma mocinha, agora vai com a Dani no banheiro se limpar. Dani, ela é nova no assunto, vai precisar de ajuda.
- Pode deixar eu cuido disso.

Joguei minha calcinha no lixo. Aquela porra estava ensaguentada! que nojo! quanto sangue! Até hoje me surpreendo com a capacidade de derramar sangue pela vagina, muito mais que em filme estadunidense. Dani achou melhor eu ir pra casa, ela arranjou um casaco que eu amarrei na cintura. Fui pelo caminho mais longo, mas o mais deserto de gente. Tonta e incomodada pelo sangue. No meio do caminho pensei em tudo o que Dani me disse. Agora eu sei que eu deveria me sentir feliz pelas palavras dela, afinal, em resumo, era o início de uma nova era. Mas naquele momento eu me sentia perdida, confusa, constrangida e com raiva. Era como se eu já soubesse que problemas e dilemas por ali começam.

Ali entendi como, em parte, é pura sorte das índias, aos menstruarem, ficarem confinadas em um quarto. Era o que eu queria fazer, ou então, ter a capacidade de ficar invisível: toda a escola sabia da minha nova condição de mulher, ainda suportei piadinhas - "Olha, Jeferson, ela está ovulando. kakakakaka". - e a professora de biologia interrompeu a aula sobre anfíbios para falar das transformações no corpo da menina quando chega na puberdade. Aff!

Minha mãe ficou feliz pelo fato deu ter me tornado "mocinha" (que ridículo!). Deu-me uns absorventes e dinheiro para, no dia seguinte, comprar o meu próprio pacote.
Além de ter me instruído no meu novo papel social. O de Mulher. Mas nem falarei dessas instruções, pois o mais profundo só averiguei de fato com o decorrer da vida, mas o básico era:
- Agora você corre o risco de engravidar. Você sabe como nascem os bebês?
- Sei. A professora explicou.
- Muito bem. Mas para ter bebê é preciso primeiro casar. Você deve sempre andar comportadinha, jamais dar confiança a qualquer garoto, entendeu?
- Entendi, sim, senhora.
- E tem que lavar bem essa xereca.
- Sim, senhora. 

Hoje, com mais sabedoria acumulada, copio a afirmação de que os dilemas das mulheres começam quando o obstetra diz - "É uma menina".







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